O presidente Lula (PT) sancionou esta semana a lei 14.620/2023, que recria o programa habitacional Minha Casa Minha Vida e traz, de quebra, mudanças no funcionamento do mercado de geração distribuída de energia.
O que muda? A nova lei permite que o excedente de energia gerado nas residências do MCMV seja comercializado com órgãos públicos – desde que o morador seja beneficiário de algum programa social ou habitacional das esferas federal, estadual ou municipal.
Além disso, a legislação abre a possibilidade de que a geração distribuída solar do MCMV se dê na modalidade remota – espécie de serviço de “energia por assinatura”, similar a uma cooperativa, uma alternativa ao modelo usual no qual o usuário investe na instalação do próprio sistema.
E o que ficou de fora? Lula vetou a regra que obrigava as distribuidoras a comprar os excedentes de energia gerados nos painéis solares dos condôminos do MCMV.
A proposta foi incluída no texto original da MP 1162/2023 (convertida na nova lei), durante a tramitação da matéria no Congresso, e despertou reações contrárias entre representantes de diferentes elos da indústria de energia – críticas que foram endossadas pelo ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira.
Discussão à parte
Silveira defendeu que as emendas que tratam da GD fossem discutidas num projeto à parte.
Desde o ano passado, tramita no senado o PL 147/2022, de autoria do senador Fernando Collor (PROS/AL), que torna obrigatória a instalação de sistemas de geração solar fotovoltaica no programa Casa Verde e Amarela, agora rebatizado como MCMV
O texto teve parecer favorável na Comissão de Meio Ambiente, na semana passada, e aguarda agora apreciação na Comissão de Assuntos Sociais.
Os pontos de discórdia
Os principais questionamentos sobre a inclusão da geração distribuída no Minha Casa Minha Vida tratam da possibilidade de comercialização dos excedentes de energia elétrica e da obrigatoriedade de compra desses excedentes pelas distribuidoras.
As propostas receberam críticas da própria Associação Brasileira de Geração Distribuída (ABGD). A entidade cita que, pela nova lei, a instalação dos sistemas ficaria a cargo da própria construtora – e não de integradoras, que usualmente fazem esse serviço.
No texto da nova legislação, o investimento para a instalação dos painéis solares está incluído na lista de itens que terão o custo incluído no valor que será repassado aos agentes do programa.
A ABGD também vê riscos de judicialização na possibilidade de comercialização dos excedentes com órgãos públicos.
Hoje, a regulação brasileira não permite que o usuário que gera a própria energia comercialize eventuais volumes adicionais que não conseguiu consumir. Na prática, ocorre um sistema de compensação: excedentes gerados são incorporados ao sistema das distribuidoras e viram créditos para aquele consumidor.
A possibilidade de venda dessa energia extra gerada pelos beneficiários do programa pode levar à judicialização pelos outros usuários da geração distribuída, que desejem comercializar os excedentes mas não podem fazer isso.
Já a obrigatoriedade de compra desses excedentes pelas distribuidoras foi vetada. O texto aprovado no Senado previa, inclusive, que as distribuidoras precisariam pagar, por essa energia, o preço mais alto permitido na geração distribuída – os Valores Anuais de Referência Específicos (VREs), o valor máximo que as distribuidoras podem pagar pela GD e repassar aos consumidores finais.
Além disso, as distribuidoras já sofrem com a sobreoferta de energia, devido à migração de consumidores para os sistemas de geração distribuída e para o mercado livre. A medida, se fosse aprovada, poderia acentuar esse desequilíbrio.
A Aneel estima que a medida teria um custo de cerca de R$ 1 bilhão por ano para os consumidores – sendo R$ 660 milhões relacionados à compra compulsória dos excedentes.
Quem é a favor?
O principal ponto à favor da medida é que ela representaria uma oportunidade para que consumidores de baixa renda tivessem acesso à energia limpa. Hoje, a GD não é acessível a esse público.
A Absolar contesta os números da Aneel. Calcula que o projeto de uso de placas solares nas residências do Minha Casa Minha Vida pode reduzir em R$ 670 milhões ao ano os subsídios da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), fundo setorial que financia políticas públicas.
Isso porque a geração própria de energia nas residências de baixa renda reduziria os custos com tarifas sociais para esse público.
De acordo com os estudos feitos pela Absolar, as novas regras representarão uma redução de cerca de 85% na conta de luz dos participantes do programa em 2023 e de 65% até 2028.
A entidade também cita a importância da lei para geração de empregos locais, já que ela prevê a capacitação de lideranças locais para o trabalho de operação e manutenção dos painéis solares.
A Absolar, contudo, pontua que a contratação compulsória dos excedentes pelas distribuidoras não deveria servir de pretexto para superdimensionamento dos sistemas fotovoltaicos do MCMV.
Mais sobre solar e GD
Saudi Aramco vai investir em usinas solares com 2,6 GW de capacidade
Indústria solar dispensa subsídios, diz CEO global da Trina
Comerc coloca em operação 5ª maior usina solar do Brasil; veja ranking
Trina Solar vai instalar fábrica de rastreadores solares na Bahia
Novo PAC prevê investimento de R$ 307 milhões em pesquisa mineral; foco é transição energética
Celesc aposta em geração distribuída de energia solar
Quem é contra?
Antes da sanção da lei, o Fórum das Associações do Setor Elétrico (Fase) chegou a enviar uma carta ao ministro da Casa Civil, Rui Costa, pedindo o veto aos artigos que tratam da comercialização dos excedentes de energia e da obrigatoriedade da compra pelas distribuidoras.
O grupo cita a “iminência de um colapso do sistema tarifário”. Alega que as distribuidoras podem repassar para os consumidores do mercado regulado os custos com a sobrecontratação de energia – que seria agravada com a compra dos excedentes gerados pelo Minha Casa Minha Vida.